E se a bruxa má não fosse má? - Uma reflexão sobre Wicked
- Ana Paula
- 12 de abr.
- 3 min de leitura

Talvez você nunca tenha se sentido a mocinha da história. Talvez, como eu, tenha aprendido cedo que basta ser diferente pra incomodar. Que basta dizer o que pensa, pra virar a vilã.
Foi assistindo Wicked que eu percebi: a bruxa má talvez só estivesse… fora do lugar que esperavam dela.
Fui assistir Wicked movida por algo muito além do brilho das esmeraldas ou das canções de arrepiar. Foi uma resenha que me tocou fundo. Dizia que a tal Bruxa Má do Oeste – aquela que o mundo conhece como vilã – na verdade era só… diferente. Era verde. E por isso, foi vista como errada. E eu, que nunca tinha visto O Mágico de Oz, fiquei curiosa. Porque algo me dizia que Wicked era sobre muito mais do que magia.
E era mesmo.
Elphaba é o nome da "bruxa má". Mas, antes disso, ela era só uma menina. Filha de um caso proibido. Responsável pela irmã desde sempre. Culpada, desde que nasceu, por algo que nem escolheu. Diferente, em todos os sentidos. Não bastava carregar no corpo uma cor que causava incômodo. Ela também carregava o incômodo de ser quem é, em um mundo que prefere o que é fácil, bonito e previsível.
Me lembrei de tantas histórias de mulheres que carrego comigo, como profissional, mas também como mulher. Quantas de nós já não fomos vistas como “intensas demais”? Quantas vezes nossa força foi interpretada como ameaça? Quantas vezes, ao levantar a voz por justiça, fomos chamadas de raivosas? Como se houvesse algo errado em não aceitar calada o que nos fere.
Elphaba foi ridicularizada. Mas teve alguém que a notou. Galinda. A loira, linda, popular e… egoísta. Aquela que parece “do bem”, mas quer salvar Elphaba apenas para transformá-la em algo que ela mesma aprova. Já ouviu isso antes? Quando dizem que querem te ajudar, mas na verdade querem te moldar. Fazer de você um projeto pessoal, como se o que você é fosse um erro que precisa ser consertado. “Você vai ser outra pessoa, e tudo graças a mim”
– Galinda diz, como se tivesse feito um favor.
E a gente engole isso. A gente sorri, agradece, se esforça pra caber. Porque aprendemos que, para ser amada, a gente precisa mudar.
Elphaba se apaixona. Por alguém que já está com Galinda. Mas ela sente, em silêncio. Porque aprendeu que algumas coisas não são para ela.
Que o amor talvez seja privilégio das “normais”.
Das "aceitas".
Até nisso ela se contém.
Mas quando a verdade aparece, ela escolhe. Escolhe não compactuar. Descobre que o tal Mágico de Oz – o homem poderoso e encantador – na verdade estava por trás de tudo o que machucava os animais (que nesse universo têm voz e são perseguidos por isso). E Elphaba se recusa a ficar calada. Paga um preço altíssimo por isso. Vira a “bruxa má”.
É perseguida. Caça às bruxas, versão moderna. Tudo porque ousou dizer “isso está errado”.
A ironia? É que ela voa numa vassoura porque… era o que tinha. Não tinha asas. Mas foi assim que nasceu a imagem da bruxa que voa. Fruto da necessidade, da sobrevivência. Quantas de nós já tivemos que “dar um jeito” para continuar? Improvisar asas em pedaços de madeira e sair voando, porque não dava mais pra ficar parada?
E tem mais: Galinda, que nunca soube o que era rejeição, se diz solidária. Muda o nome para agradar. Faz promessas em nome da causa. Mas nunca se coloca de verdade no lugar da outra. Nunca sente na pele o que é ser excluída. E não é isso que a gente vê tanto por aí? Pessoas que dizem estar com a gente, mas que, no fundo, jamais abririam mão do conforto pra realmente entender o que vivemos?
O filme me fez pensar muito sobre o que é ser vista como a vilã. Quantas mulheres incríveis eu conheci que foram tratadas como problema, só porque disseram "não". Só porque ousaram ter opinião. Só porque não cabiam nos moldes.
E aí eu me pergunto: será que a bruxa era mesmo má? Ou será que era só uma mulher que se recusou a se dobrar?
Essa história é sobre a gente. Sobre o que fazem com quem foge do padrão. Sobre as máscaras que colocam na nossa dor. Sobre o quanto é difícil continuar sendo você, quando o mundo tenta o tempo todo te convencer de que você precisa ser outra.
Mas também é uma história de coragem.
De voar mesmo sem asas. De amar mesmo sem garantias. De se recusar a silenciar.
E, talvez, de descobrir que não somos más. Somos apenas… verdadeiras.

Comments